quarta-feira, 23 de março de 2011

Eu li: A Batalha do Apocalipse, de Eduardo Spohr

Muitos leitores têm medo do hype. Temem que, após a leitura de uma obra badalada, não a achem tão interessante quanto os amigos, blogs e sites preferidos andaram alardeando. Isso não acontece com A Batalha do Apocalipse; de fato, se a obra de Eduardo Spohr alcançou o status de épico da literatura fantástica nacional, foi especialmente por seus méritos.

A história dos bastidores todo mundo já conhece: Jovem Nerd, livro independente, sucesso de vendas, saiu pela Record, etc. Mesmo quem não leu também já sabe mais ou menos a trama: o último dos anjos renegados, Ablon, é convidado pelo seu inimigo, Lúcifer, para lutar ao seu lado contra seus antigos aliados, liderados pelo arcanjo Gabriel. O mundo caminha rapidamente para a guerra final, e Ablon aos poucos entenderá a complexidade e dimensão do que aguarda não apenas a humanidade, mas o céu e o inferno.

O que mais impressiona em A Batalha do Apocalipse é a coerência do mundo criado por Spohr e a forma como ideias aparentemente díspares de religiões e mitos distintos são interligados. Não há soluções fáceis ou sacadas de última hora, e aceitamos sem problemas um universo habitado tanto por anjos quanto por espíritos de pessoas mortas, antigos deuses quase esquecidos por seus adoradores, minúsculos e delicados seres cuja existência pode ser varrida por um sopro ou demônios cruéis e disformes. O leitor é, na maior parte do tempo, conduzido pelo olhar de Ablon, que, a despeito de ter ocupado um lugar relativamente privilegiado no plano espiritual, desconhece uma parte substancial do universo: O personagem se surpreende com descobertas fascinantes, algumas belíssimas e outras, terríveis.

O que nos leva ao desenvolvimento dos cenários, incrivelmente variados, pois cobrem momentos distantes entre si no tempo e lugares separados por oceanos e continentes inteiros.  Em especial, a caracterização da antiga Babilônia, das cidades da China e da atual Jerusalém me impressionaram. Todos eles parecem críveis e reais. O mesmo vale para os mundos imaginários; é possível compreender a maravilhosa aparência da Atlântida e decrepitude do inferno em poucos parágrafos.

Os personagens são interessantes e bem desenvolvidos. Ainda que Ablon corresponda a um herói arquetípico, alguns de seus atos resultam em erros, equívocos e decisões erradas – os anjos não são infalíveis, afinal. A feiticeira Shamira aparece como o contraponto humano de uma história milenar e é a personagem que permite ao leitor não se perder na amplitude da trama. Nimrod, Lúcifer, Gabriel, Miguel, Orion, Amael, Flor do Leste são fascinantes em suas motivações, erros, redenções, mesmo aqueles movidos por um único desejo (como a Estrela da Manhã) têm seus momentos de dúvida. A exceção é Apollyon, espécie de nêmesis de Ablon, que parece cumprir apenas esta função – embora sua natureza seja perfeitamente explicada ao final.

É um romance épico; logo, batalhas e lutas acontecem constantemente. O pulso do escritor é firme, os movimentos dos oponentes são descritos com clareza e a narrativa destes eventos é sempre bem conduzida – o que vale para a longa batalha final. Muita gente estabeleceu paralelos entre estas lutas e o anime Cavaleiros do Zodíaco. Confesso que nunca gostei do desenho (se eu escrevesse isso no Twitter, haveria um #prontofalei aqui) e não o tenho como referência. Senti, claro, um quê de anime nas armaduras, golpes e estratégias dos anjos, mas nada tão certeiro. Felizmente, no livro ninguém grita o nome de seus golpes antes de descer o sarrafo no inimigo.

Talvez o flashback que interrompe um momento crucial na trama seja longo demais, mas a história narrada nela é tão interessante que dá até para se esquecer deste probleminha. Imagino o trabalho louco que o autor teve para encaixar tanta informação sobre o passado dos personagens em flashbacks posicionados de tal forma que fossem úteis, interessantes e não parecessem forçados, como se estivessem ali apenas para explicar algo importante no capítulo seguinte. Embora estas interrupções na trama não tenham me incomodado, acredito que poderiam ter sido mais trabalhadas. O mesmo acontece com algumas informações-chave que o autor acaba repetindo em excesso. Entendo que um romance extenso como ABdA (para os íntimos, claro) se beneficie destas repetições, mas algumas ficaram próximas demais e tornaram-se óbvias – por exemplo, a que estabelece a relação entre a espada e o seu portador, nos primeiros capítulos. Em outros momentos, talvez fosse mais interessante deixar uma ou outra conclusão para o leitor. Cito o reencontro (spoiler adiante!) com o rei Nimrod. Não era realmente necessário explicitar de quem se tratava - eu, pelo menos, já o havia identificado. Aliás, este trecho é particularmente tocante, como outros no livro. Fiquei fascinado pela economia e precisão na descrição da beleza e sabedoria dos ofanins, da altivez de Gabriel e da humanidade ao mesmo tempo simples e grandiosa de Flor do Leste. Em outros momentos, Spohr abusa um pouco dos adjetivos, em especial nas descrições de lutas e habilidades dos anjos. Mas não é nada que chegue a atrapalhar.

O final é ambicioso e recheado de revelações impactantes. Mais uma vez, a solidez do universo de ABdA serve de sustentação a estas revelações, que se encaixam e passam a fazer ainda mais sentido quando o leitor as relaciona a detalhes narrados anteriormente. É neste momento que um escritor novato, como eu, tem de reconhecer a importância da pesquisa (o mesmo ocorre em outro excelente livro, O Centésimo em Roma de Max Mallmann) e o trabalho de artesão necessário para fazer com que ela se “dilua” naturalmente na obra, ajudando a fazer de um mundo inventado um cenário crível, palpável.

Enfim, A Batalha do Apocalipse merece o lugar de destaque que tem ocupado na literatura fantástica nacional. É um livro que li com prazer e interesse genuíno sobre o destino dos personagens – chegando mesmo a temer por alguns deles.

terça-feira, 8 de março de 2011

Nas Montanhas da Loucura: cinema é para crianças, TV é para adultos?

A notícia sobre o possível cancelamento da adaptação de Nas Montanhas da Loucura, de H. P. Lovecraft, pelo diretor Guihermo delToro, me fez pensar em algumas coisas. A alegada razão para o cancelamento seria o medo da Universal em investir um orçamento bastante generoso (150 milhões de dólares) em um projeto que receberia censura R, mesmo contando com Tom Cruise no elenco e a tecnologia 3D desenvolvida por James Cameron para Avatar. Em Hollywood, um filme só é considerado um sucesso se atinge bilheteria superior a três vezes seu custo de produção. Logo, Nas Montanhas da Loucura só daria lucro se chegasse a 450 milhões de dólares de bilheteria.
Em resumo: adultos que gostam de ficção científica e fantasia podem esperar sentados por um filme dirigido a eles. Ao menos, uma produção que dependa de efeitos especiais massivos. Nada contra filmes menores e mais arriscados (Moon, por exemplo), claro, mas quem disse que adultos não vão ao cinema para ver enredos fantásticos também? Eu me arrisco a dizer que o público entre 25 e 35 anos seria suficiente para justificar a produção de um filme como este.  Mas, e especialmente após a crise dos últimos anos, Hollywood quer bilheterias astronômicas e aposta na supremacia dos muito jovens. Por isso mesmo, o PG-13 se tornou um objetivo a ser atingido por muitos filmes – inclusive por alguns que não deveriam se adequar a este padrão. Os produtores que se defendem, citado bilheterias decepcionantes como as de O Lobisomem, se esquecem convenientemente da qualidade dos exemplos escolhidos.
A saída para histórias fantásticas para adultos tem sido a TV. Parece haver menos riscos e um custo de produção bem menor, além do barateamento dos recursos necessários para se fazer boa FC & F na televisão. Também é verdade que a venda de espaços publicitários nos intervalos é uma grande fonte de renda, algo que não é possível de se fazer no cinema – melhor nem imaginar um produtor querendo colocar Coca-Cola numa taverna frequentada por anões e guerreiros.
Produções como True Blood na HBO e The Walking Dead na Fox provam que a combinação tem dado certo. Não é à toa que a TV esteja atraindo cada vez mais atores e diretores do primeiro escalão.  Livres das exigências de um mercado cinematográfico que se dirige com volúpia apenas aos muito jovens, os roteiristas para a TV têm se arriscado mais e colhido resultados bem interessantes. Talvez a maior aposta (e maior prova disso) seja A Guerra dos Tronos, a nova série baseada nos livros de George R. R. Martin produzida pela mesma HBO que levou a sexualidade dos vampiros (e outras criaturas) de Charlene Harris para as telas. Aguardamos ansiosamente.